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Edición N° 29 - otoño 2003

O destino manifesto e tragédia anunciada

Por:
Luis Fernando Novoa Garzon
*
(Datos sobre el autor)


"A pura raça anglo-americana está destinada a estender-se por todo o mundo com a força de um tufão. A raça hispano-mourisca será abatida. "

New Orleans Creole Courier, 27.01.1855

“Hoje, a humanidade tem em suas mãos a oportunidade para um grande triunfo da liberdade sobre todos os seus antigos adversários. Os Estados Unidos aceitam de bom grado sua responsabilidade de liderar esta grande missão.”

George W. Bush, 11.09.2002



Nos EUA não há lugar para perdedores. Eles não puderam viver para contar a história. Somente uma “raça de heróis” poderia sobreviver a todas as atribulações da epopéia colonizadora. A travessia do Atlântico foi um verdadeiro êxodo para desenraizados e perseguidos. Nos grandes navios, o tifo, a tuberculose e a fome não davam aos fracos o direito de prosseguir. A terra prometida estava reservada aos fortes. Os refugiados puritanos, os primeiros a chegar, fizeram da expulsão um motivo de engrandecimento. A mania de grandeza não pode viver separada da mania de perseguição: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”. Apesar das múltiplas influências recebidas posteriormente, a herança calvinista-maniqueísta teve uma contribuição decisiva na formação da identidade do estadunidense e de seu senso comum.

Os percalços e desafios da "colonização heróica" estavam apenas começando. O lar só se tornaria um doce lar, se dele fossem extraídas todas as “impurezas”. Tudo o que não servisse à auto-afirmação, tudo que se interpusesse no caminho da expansão - leia-se, salvação - seria designado como maligno. Aqueles que se consideravam perfeitos e eleitos por Deus concluíam que o “mal” só poderia ser o diferente, o distinto, o outro.

A noção de supremacia e de superioridade foi construída no processo de demonização dos índios, espanhóis, mexicanos, negros, alemães, japoneses, soviéticos, sérvios, latinos, islâmicos, ou seja, de todos os não americanizáveis . Procurando manter intacta sua essência, esta micro-sociedade européia transplantada na América, resvalou para o integrismo religioso-cultural e para o racismo mais sórdido. Os piores fundamentalismos nasceram na “Pátria da liberdade”.

Deus é norte-americano?

Deus não morreu como disse Nietzsche, foi sequestrado pelo Império norte-americano. Os guardiões do cativeiro têm em suas mãos um mandato exclusivo para administrar a Criação e todas as suas criaturas. Até mesmo o paraíso foi demarcado e privatizado: " Deus escolheu a América para que aqui se construísse a sede do paraíso terrestre, por isso, a causa da América será sempre justa e nada de mal jamais lhe será imputado. Os colonos são os verdadeiros herdeiros do povo eleito, pois preservam a santa fé. Nossa missão é liderar os exércitos de luz em direção aos futuros milênios."(pregações puritanas, New Jersey, 1660)

A predestinação dos EUA deveria ser a somatória da predestinação de cada cidadão. Este discurso salvacionista foi muito mais determinante que qualquer referência formal à cidadania ou à lei. Sob o impulso dessa volúpia vieram a independência, a marcha para o oeste, a guerra civil, o grande mercado e os grandes monopólios. A economia norte-americana passou a ser controlada por trustes industriais em associação com os grandes bancos. Era chegada a hora de iniciar a conquista do mundo. O capital monopolista podia se esconder por detrás do arquétipo de uma nação de colonos livres e unidos por valores morais comuns. A expansão das grandes corporações, tendo por suporte as belicosas forças armadas norte-americanas, seria vista como a expansão de um ideário e de um modo de vida superior. O “destino manifesto” dos EUA revela o paradoxo de um Império que se formou e se nutriu no seio de uma nação democrática.

O Império proclama: “O mundo sou eu”

O imperialismo norte-americano, mais que qualquer outro, invocou para si uma missão civilizatória e messiânica. Os sucessivos Presidentes dos EUA não fizeram outra coisa senão universalizar os mais particulares interesses. Seus nomes estão inscritos na história do expansionismo ianque: Corolário Polk, Corolário Roosevelt, Doutrina Monroe, Doutrina Truman, Doutrina da Boa Parceria de Eisenhower e Doutrina das Novas Fronteiras de Kennedy. George Bush (o pai) também deixou sua contribuição quando lançou em 1990 o programa “Iniciativa para as Américas”, a demarcação da base territorial e econômica a partir da qual se projetaria o poder dos EUA sobre o mundo. No ano seguinte, com o fim da Guerra Fria e da URSS, criaram-se condições objetivas para o estabelecimento de uma ordem mundial polarizada exclusivamente pelos EUA. Faltavam, contudo, justificativas políticas e motivos morais.

George W. Bush, (o herdeiro) recebeu este prêmio dez anos depois. O terrorismo internacional, o novo “inimigo”, clarificou o papel dos Estados Unidos no mundo, revelando sua verdadeira vocação. Elaborada pelas aves de rapina do Complexo Industrial-Militar, a Doutrina Bush não peca por eufemismos: “Na grande tragédia, também vimos grandes oportunidades. Nós temos que ter a sabedoria e a coragem para aproveitar estas oportunidades. A maior oportunidade dos Estados Unidos é a de criar um equilíbrio no poder mundial que favoreça a liberdade humana. Nós usaremos nossa posição sem paralelo de força e influência para construir um clima de ordem e abertura internacional”.

Os capuzes brancos não são mais necessários. De cara limpa, estão assumindo que irão se valer de sua confortável posição de superpotência, “sem paralelo de força e influência” para impor uma nova Pax Romana ao mundo. Desse modo, os senhores da guerra e das corporações só podem agradecer e torcer para que venham novas tragédias e, embutidas nelas, as tais “grandes oportunidades”. As elites globais, portanto, devem saudar calorosamente o caos que inaugura, concomitantemente, uma nova e definitiva ordem internacional. Somente a guerra perpétua torna imperativa a paz perpétua.

Quanto pior, melhor?

Soam as cornetas apocalípticas anunciando a chegada da cavalaria. Quanto maior a destruição, maior a criação. Quanto mais enfraquecidas estiverem as outras nações, mais fortes estarão os EUA. Quanto mais desmoralizadas as instituições internacionais, mais legítimo o unilateralismo norte-americano. Quanto mais presente for o terrorismo, mais onipresente será o Império anti-terror.

Preparam o pior para, em seguida, preparar o melhor. As novas Cassandras anunciam as mais terríveis desgraças que elas próprias se esforçam por executar. Quando as tragédias se transformam em tábua de salvação, que ninguém duvide da capacidade daqueles que se determinaram a salvar os EUA, de planejá-las com precisão e maestria.



* Datos sobre el autor:
* Luis Fernando Novoa Garzon
Sociólogo y miembro de la ATTAC-Brasil (Ação pela Taxação das Transações Financeiras em Apoio aos Cidadãos)

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