Não lhe custava
apenas compreender que o símbolo genérico cão
abrangesse tantos indivíduos díspares de diversos
tamanhos e diversa forma; aborrecia-o que o cão das três
e quatorze (visto de perfil) tivesse o mesmo nome que o cão
das três e quatro (visto de frente). Seu próprio rosto
no espelho, suas próprias mãos deslumbravam-no cada
vez. (Borges, 1995:116)
Existem momentos na
vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente
do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é
indispensável para continuar a ver ou a refletir (Foucault,
1984:13)
1. Introdução
A recente transmissão
pela TV da cerimônia da entrega do Oscar nos põe,
como é habitual a cada ano, frente ao espetáculo
midiático das diferenças bem individualizadas e
hierarquizadas: dentre as películas a ou b ou c,
os figurinos x ou y ou z....the winner is?
No último pleito,
o grande vencedor na categoria ator principal foi o neo-zelandês
Russell Crowe, rapidamente alçado ao patamar de novo sex
symbol hollywoodiano por sua atuação no filme
Gladiator (O Gladiador) - antiga temática
retomada com os mais modernos efeitos especiais de que é capaz
a poderosa indústria das imagens.
Exatamente porque de
forma alguma ousaria dizer-me imune às produções
contemporâneas de formas de pensar, fazer e sentir veiculadas
pelo cinema, a vitória de Crowe me trouxe à lembrança
um outro filme, do século XX - pois já adentramos o
XXI! -, onde o mesmo ator encarna diferenças outras,
cheias de delicadeza e minúcia, apoiado em um roteiro cujo
tema, ao menos à primeira vista, remete exatamente àquela
condição que escaparia ao espetáculo ofuscante
do visual: a cegueira.
Trata-se da película
Proof (A prova), de nacionalidade australiana, datada
de 1991 e dirigida por Jocelyn Moorhouse. No elenco, Hugo Weaving
(Martin), Genevieve Picot (Celia) e, como principal ator coadjuvante,
o hoje famoso Russell Crowe, no papel de Andy. Conquanto não
se tenha feito mundialmente conhecido através da corrida pelo
Oscar, o filme despertou atenção em alguns círculos
restritos, havendo recebido a menção especial Camera
DOr em Cannes (1991) e o prêmio especial de crítica
na 16a. mostra de São Paulo.
Dificilmente, contudo,
alguém se interessaria de imediato por ele caso se tentasse
orientar, em meio à estonteante oferta das prateleiras das
locadoras de vídeo, pela sinopse da contracapa. No verso da
sedutora caixinha de plástico que abriga A prova se
pode ler: Martin é uma pessoa triste que não
enxerga desde o seu nascimento e não consegue confiar
em ninguém (...) Agora, adulto, luta contra sua deficiência
tirando fotografias, e tentando, com isso, provar que o mundo como
ele imagina através de seus limitados sentidos, é
o mesmo que as pessoas que enxergam vêem. Por anos, Martin
aguarda alguém em que possa confiar a fim de descrever
suas fotos.(grifos nossos).
Interrompo a narrativa
julgando suficientemente demonstrado pelos trechos grifados que
nenhuma linguagem é inocente. Não diria que o
resenhador descreve mal. Prefiro hipotetizar que performa
um campo bastante circunscrito de visibilidade e discursividade,
talvez sintetizável pela seqüência: falta
(triste) ® invalidação
(deficiência; limitados sentidos) ®
compensação (luta ... tirando
fotografias) ® morte em vida (durante anos
aguarda...). Caso integralmente mergulhados neste tipo tão
comum de dispositivo,
decerto nos poremos a assistir ao filme na expectativa de que ele
confirme atributos (dos cegos).
Ignoraremos, por conseguinte, que somente tais atributos se fazem
visíveis (em lugar das relações
histórico-políticas que os constituem)
exatamente pelo funcionamento radicalmente material de certas
maquinarias do ver e do dizer. 
Sendo assim, o
efeito-fenômeno sobre nossa apreensão do
comportamento do personagem Martin  alguém que não
vê e fotografa  arriscar-se-á a meramente
confirmar uma das descrições propostas por Goffman
(1982:19) quanto ao estigmatizado: este pode (...) tentar
corrigir a sua condição de maneira indireta, dedicando
um grande esforço individual ao domínio de áreas
de atividade consideradas, geralmente, como fechadas, por motivos
físicos e circunstanciais , a pessoas com o seu defeito. Isto
é ilustrado pelo aleijado que aprende ou reaprende a nadar,
montar, jogar tênis ou pilotar aviões, ou pelo cego que
se torna perito em esquiar ou escalar montanhas.
Mas...um filme sobre um
fotógrafo cego? Quiçá o insólito da
proposta nos conduza, alternativamente, a ignorar as preconceituosas
advertências da caixinha de plástico e permita que nos
deixemos tocar pelas inquietantes minúcias de Proof. 
Assim o fazendo, poderemos descortinar, talvez, virtuais movimentos
de liberdade em uma sociedade que, por se dizer disciplinar,
não se decreta disciplinada,
abrindo caminho a um ensaio ético-estético sobre o ver
e o não ver.
2.
Cenas: fotografia, cinema e neuro-antropologia
Nossa estratégia
ensaística lançará mão de diferentes
cenas de A prova, a partir das quais alguns personagens
conceituais terão entrada na medida em que nos facultem acesso
àquelas heterotopias aptas a proporcionar
desnaturalizações, ou descaminhos, em nossos modos
instituídos de pensar, agir e ser (cf. Foucault, 1981:14).
	
		
		
			| 1ª
				Cena  Vemos Martin, um rapaz alto, louro, cerca de 30
				anos, a caminhar pela rua. Ele evidentemente na vê 
				lá estão os indefectíveis óculos
				escuros e a bengala
				-, mas segue ágil, ritmado pelo instrumento: batidas
				cronometram o espaço percorrido. A câmera volta-se
				para os fundos de um restaurante onde Andy, jovem moreno de 20 e
				poucos anos, empilha o lixo à beira da calçada. Um
				gato busca restos de comida em meio aos dejetos. O som da bengala
				nos leva de volta a Martin, cada vez mais veloz: a paisagem é
				aparentemente bem conhecida. Está, no entanto,
				momentaneamente alterada e ele tropeça, derrubando
				garrafas e caixotes, ainda que rapidamente se reequilibre e
				prossiga célere, como que intimidado. Andy procura o gato
				e, pela expressão de seu olhar, supomos que o animal
				esteja morto. A chuva desaba. | 
	
Aos olhos de Andy 
nosso contemporâneo  algo falta a Martin.
Talvez ele represente um perigo para si próprio e para os
demais  o gato, por exemplo! Mas ...o que falta a
Martin, de que carece ele? Talvez Andy suponha, como descreve
Sacks (1995:125) ao abordar a situação de Virgil 
um americano de 50 anos, cego desde a mais tenra infância ,
que lhe falte uma correção  dispositivo
tecnológico
ou intervenção médica  para receber a
visão, como nos milagres bíblicos do Novo
Testamento. Para Andy, assim como para nosso olhar excessivamente
informado pelas redes de individualização-totalização
da modernidade, o não-ver de Martin é uma anormalidade
 desvio, obliqüidade quanto a um suposto esquadro
da natureza , cujas desconhecidas razões costumam dar
ocasião a todo tipo de cadeia associativa estigmatizante 
culpa, maldição, degenerescência ...?
	
		
		
			| 2ª
				Cena  Martin entra em casa. Imediatamente, retira os
				óculos escuros  coisa de rua,
				vestimenta de olhos imorais?  e encosta a
				bengala a um canto. Começa a despir-se, agora das roupas.
				Um levíssimo ruído de batida de cigarro no cinzeiro
				o adverte da presença de Celia, sua  governanta. Irritado,
				chama Bill, o cão, mas Celia já o alimentou. Aliás,
				ela já fez tudo, e mais quer fazer: Posso ver as
				fotos para você, Martin!!. Ele recusa, paga-lhe o dia
				e anuncia  repudiando novas ofertas de cuidados  que
				vai comer fora. A despedida de Celia faz prever
				incapacitações/solidões: Não
				coma peixe, cuidado com as espinhas!. Sozinho, Martin
				parece hesitar em meio a sua  produzida solidão. A câmera
				mostra um grande relógio de pé a tiquetaquear e nos
				introduz, em flashback, a lembranças: uma bela
				mulher dorme enquanto dedos infantis passeiam por seu colo e
				cabelos ; seu corpo se move em ondas aparentemente eróticas
				até que desperta, assustada. Raivosa, diz ao menino louro
				e sardento, agora visível ao espectador: Pare com
				isso, Martin! Não pode tocar as pessoas assim! Dedos não
				são olhos, isso é rude! | 
	
Martin ouve levíssimos
ruídos  cinzas a cair num cinzeiro; Martin-criança
explora corpos, espaços, com dedos curiosos; Martin fotografa
 ainda não sabemos por quê. Não há
lugar onde a natureza exponha mais abertamente seus mistérios
secretos do que nos casos em que mostra vestígios de seu
funcionamento fora do caminho trilhado  dizia W. Harvey,
no século XVII (apud Sacks, 1995:124). No século XX,
Oliver Sacks, um neurologista, se faz antropólogo (em Marte?)
para afirmar: ... quase todos os meus pacientes, quaisquer que
sejam os seus problemas, buscam a vida  e não apenas a
despeito de suas condições, mas por causa delas e até
mesmo com sua ajuda. (Sacks, 1995:18). Com tal afirmação
faz eco ao historiador das ciências G. Canguilhem, para quem,
enquanto atividade invariavelmente normativa, a vida produz
uma polaridade dinâmica onde se encontram dois estados, o de
saúde e o de doença. Sendo assim, a anormalidade não
indica ausência (ou falta, ou carência ) de normas, mas
unicamente a presença de normas diversas daquelas criadas por
outros organismos da mesma espécie. Se preferirmos, a anormal,
o termo anômalo, mais uma vez a normatividade vital
triunfaria. Ainda segundo Canguilhem, o segundo termo remete a
irregular, rugoso, e conserva um sentido
puramente descritivo, sem referência valorativa: Assim,
tendo a anomalia o sentido de algo insólito, não é
sinônimo de doença, do mesmo modo que o estado normal
não se identifica plenamente com a saúde. O estado são
admite, mais do que a conservação da vida, a mudança
para novas normas. ( cf. Lobo, 1992:115-116)
Sob tais perspectivas, a
vida de Martin é normativa. No entanto, não será
ela também  ou primordialmente, ou dominantemente  
normalizada? Quando, das análises dos
(neuro)-antropólogos (mesmo em Marte) e dos filósofos
(vitalistas) das ciências, passamos às dos historiadores
e sociólogos, o caráter descritivo-normativo
praticamente se esfuma, dando lugar à presença de
dominações mortificantes. Da frase ver e não
ver são diferentes (como diferentes criações
de normas) passamos à frase há diferença
(no interior de hierárquicas distribuições
normalizantes) entre ver e não ver. Assim, para
Foucault, por exemplo, o fundamental no discurso da medicina
moderna [e nós acrescentaríamos aqui, sem hesitação,
o da psicologia moderna] não seria o reconhecimento da
capacidade inerente ao organismo de produção de normas,
mas a imposição ativa de normas nas populações,
regulada pela medicina (cf. Birman, 1991:19). Já em uma
vertente sociológica, para Becker os grupos sociais
criam o desvio ao estabelecer as regras sociais cuja infração
constitui desvio e ao aplicá-las a pessoas particulares,
marcando-as como outsiders (...) O desviante é aquele a
quem tal marca foi aplicada com sucesso, o comportamento desviante é
o comportamento assim definido por pessoas concretas. (apud
Velho, 1985:23-24)
A normatividade temporal
de Martin (espaços percorridos no tempo, nos ritmos) e a
normatividade tátil de Martin (mãos que se estendem
sobre o corpo de Bill, sobre o corpo da mãe) parecem submergir
frente aos discursos normalizadores: Não coma peixe,
Martin!; Posso ver suas fotos para você?;
Não use os dedos, Martin! Dedos não são
olhos!.
Mas a aventura está
apenas começando...
	
		
		
			| 3ª
				Cena  Martin está sentado à mesa do
				restaurante e tenta, inutilmente, fazer com que o sirvam. Na
				cozinha, onde trabalha Andy, pergunta-se: Quem vai servir o
				cego? Martin pega a garrafa de vinho, já aberta, e
				propositalmente derruba o líquido sobre a mesa, como se
				não fosse capaz de reconhecer a posição do
				copo. A garçonete acode imediatamente e ele faz seu
				pedido. Andy, que assistira à cena, ri, divertido ... À
				saída, aguarda Martin e comunica: Você matou o
				Feioso. Conduzido ao suposto cadáver do animal,
				Martin lhe toca cuidadosamente o pescoço, retrucando: Mas
				não está morto! 
				4ª
				Cena  Sala de espera do veterinário, cheia de
				clientes acompanhados dos efetivos clientes 
				cães e gatos. Todos fitam Martin, que carrega Feioso,
				aparentemente morto, ao colo. Martin indaga sobre a intensidade
				da luz ambiente e, orientado por Andy, saca da máquina
				fotográfica. A parede da sala, por sinal, é
				recoberta por fotos, inclusive a da...rainha da Inglaterra! A
				cena prossegue exibindo dezenas de instantâneos, não
				apenas de Andy e Feioso como dos demais clientes, agora
				extremamente sorridentes, carregando seus filhotes.
				Todos parecem fascinados pelas imagens visuais. | 
	
Virgil, o paciente
descrito por Oliver Sacks, não necessita meramente voltar
a enxergar quando lhe removem cirurgicamente as cataratas. Todo
um novo mundo de normatividade outra e de aparentemente 
idêntica  normalização terá de ser
dominado ou, ao menos, tolerado: Quando chegamos em casa,
Virgil caminhou por conta própria, sem bengala, até a
porta da frente, tirou a chave do bolso, segurou a maçaneta,
destrancou a porta e abriu (...) Era o seu show. Mas ele dizia
que, em geral, caminhar era assustador e confuso
sem o tato, (...) com suas noções incertas e instáveis
sobre o espaço e a distância.(Sacks, 1995:134);
Objetos em movimento apresentavam um problema especial, já
que mudavam de aparência constantemente. Mesmo o seu cachorro
(...) parecia tão diferente a cada momento que ele se
perguntava se era de fato o mesmo cachorro (idem:142-143).
Martin também faz
seu show para os videntes: coloca-se estrategicamente no
lugar do carente-deficiente para ser visto. Andy consegue ver
a estratégia de Martin, mas vê morto o Feioso,
que Martin sente, com os dedos, vivo! Imaginará ele que
teria dificuldades em saber ser, ou não, o mesmo Feioso
de frente ou de perfil? A que império do olhar
(Jay, 1986) está subordinado, ao menos em parte, o fotógrafo
Martin? Ao da sociedade de espetáculo (Guy Debord)? Ao
da razão pós-moderna
das imagens-simulacro (Baudrillard)? Ao da sociedade de
controle (Deleuze)?
Ou, conforme preferimos, ao da maquinaria panóptica
(Foucault)? Neste caso, nosso aprisionamento nesta máquina
deve muito aos objetivos bem intencionados do iluminismo e da
Revolução (...) O Iluminismo que inventou as liberdades
também inventou as disciplinas (cf. Jay, citando
Foucault, 1986:192).
Os clientes (humanos,
demasiado humanos) que fitam Martin - bem como se fitam,
num olhar internalizado - sob a métrica
totalizante-individualizante da normalização panoptista
deixam-se gravar alegremente em fotos-representações-fixações
(que cobrem as paredes de rainhas e homens...
os novos deuses?). Mas, se é Martin aquele que fotografa, por
que o dizemos fixado ao império do olhar?
	
		
		
			| 5ª
				Cena  No carro, voltando do veterinário, Andy ri
				enquanto exclama: Não acredito, um fotógrafo
				cego?!. Desculpando-se, busca a expressão
				politicamente correta: Bem, deficientes não
				devem ficar se lamentando .... Indagado acerca de quando
				teria começado a fotografar, Martin afirma ter ganho a
				câmera bem garoto, a seu próprio pedido: Achei
				que me ajudaria a enxergar .... 
			6ª
				Cena  No restaurante, a garçonete diz a Andy: O
				cego quer vê-lo. Andy senta-se à mesa,
				incomodado pelo presumível olhar de censura do patrão.
				Martin lhe mostra suas fotos e pede que as descreva. Orienta o
				estilo do narrador até que este atinja uma precisa
				frase de aproximadamente 10 palavras, tal como Andy
				segurando o gato fraco na sala do veterinário. Em
				seguida, etiqueta a foto com uma fita em alto relevo. Espantado,
				Andy pergunta pelas razões de tal atitude e Martin
				retruca: É a prova, a prova de que a cena é
				essa. Ante a incompreensão do companheiro,
				acrescenta: Eu estava lá e provavelmente sei mais do
				que você. Sei pelo ruído que havia duas lâmpadas
				florescentes e que uma estava com defeito; que o revestimento do
				piso estava velho e gasto, pois senti com meus pés; que
				havia uma mulher perfumada de sapatos altos, pois ouvi as
				pegadas; que havia cheiro de desinfetante e de animais doentes no
				ar e que você era alho e detergente. (Enquanto Martin fala,
				a câmera exibe a prova do que diz  com
				exceção dos cheiros ...) Finalmente, Martin
				conclui: A prova é: eu senti o que você viu
				com seus olhos.
 
				7ª
				Cena  Voltamos às lembranças. Martin está
				sentado em frente à janela e a mãe lhe descreve o
				tempo, a grama do jardim, as flores... O menino pergunta: O
				homem está lá?. Ela responde: Sim,
				perto do chafariz, juntando as folhas com o ancinho. Não
				ouve? Quando Martin diz não, insiste: É
				porque não prestou atenção!. Martin
				reitera: Não está lá!. E a mãe:
				Por que eu mentiria, Martin? O menino, solene,
				retruca: Porque pode! | 
	
Martin atrás da
janela, Martin atrás da máquina fotográfica 
olhares naturais ou construídos? Para Martin, olhares
apenas: as próprias coisas? No entanto, esses olhares 
nunca naturais, mas ele não o pode saber, como freqüentemente,
ou talvez invariavelmente, não o saibamos  se fazem
acompanhar de linguagem! Martin sabe que as palavras podem não
ser as coisas, mas acredita que lhes possam
corresponder exatamente  mundo de ordem e medida, linguagem
clara e distinta, verdade de uma civilização
visual- representacional que ele supõe possa mentir,
mas deva dizer a verdade, sem ambigüidade, opacidade ou
equivocidade (Andy segurando o gato fraco na sala do
veterinário). Martin está aprisionado a  uma
razão, mais que visual, representativo-figurativa. Mentira
seria, para ele, a possibilidade-poder de um pintor como Magritte:
abaixo da figura de um cachimbo(?), a frase Isto não é
um cachimbo.
Em um ensaio escrito em
1968, depois transformado em um pequeno livro, Foucault (1988) faz de
Magritte o criador das similitudes, em oposição
às semelhanças: Enquanto as semelhanças
sempre asseguram afirmativamente a irredutível mesmidade de
imagem e objeto, as similitudes, conforme Foucault as vê,
multiplicam afirmações diferentes, que dançam
juntas, inclinando-se e derramando-se umas sobre as outras.
(cf. Jay, 1986:185).
Martin-fotógrafo
deseja a prova da semelhança, a verdade representativa, as
Luzes, a clareza. O que têm a ver com isso a vida, o amor, a
amizade, a sexualidade? Que prova, afinal, será
privilegiada em A prova?
	
		
		
			| 8ª
				Cena  Martin e Bill chegam a casa. Celia diz ser seu
				aniversário de 30 anos   momento que separa a
				menina da mulher, diferença, em suas palavras, ignorada
				por Martin. Os dois se empenham em agressões verbais até
				que Celia pede que ele a fotografe com a blusa nova que comprara.
				Dá então início a uma cena sedutora, fazendo
				com que ele toque a seda da blusa ... e seus seios. A princípio
				entregue ao jogo, Martin logo se retira. Celia ameaça:
				Gosta de me humilhar! Posso feri-lo e um dia vou fazê-lo! 
				9ª
				Cena  Martin mostra fotos para que Andy as descreva.
				Primeiro, uma folha seca. Depois, de uma mulher (Celia).
				Perguntado se se trata da namorada, Martin responde: Não,
				Celia não tem coração. Eu a odeio!.
				Andy retruca: Se é assim, por que não a
				despede? E Martin: Ela me deseja e eu me nego; assim,
				não tem pena de mim e posso ter pena dela. | 
	
Martin não pode
amar, pois não pode tocar. Por vezes sabe mais do que
os outros  detalhes da sala do veterinário, por exemplo
, mas avalia que os demais  saibam melhor (e o
melhor), pois dedos não são olhos. Sua
normatividade tátil-auditivo-olfativa (e afetiva?) está
subjugada à normalização visual. Mas, se não
pode ver  como Celia faz questão de assinalar a
cada instante , pode negar-se - julga que voluntariamente - ao
desejo que ela lhe oferece. À carência-captura
no império do olhar responde com a carência-captura no
reino da sexualidade.
	
		
		
			| 10ª
				Cena  Andy leva Martin a um Cine Drive-in. Vidros
				fechados, narra minuciosamente o filme exibido, um terror classe
				B. No carro ao lado, alguns rapazes mal-encarados olham a
				cena Andy-Martin com estranheza  um visual enganador?
				Enquanto Andy busca algo no bar, Martin explora o ambiente: um
				dinossauro de plástico à frente, um gorila
				pendurado no retrovisor e ... o forro do volante, em tecido
				peludo. Este se desprende e Martin tenta, em vão,
				recolocá-lo, a fim de que sua curiosidade  dedos
				rudes(?)  não seja descoberta. Mesmo
				sentando-se no banco do motorista, as tentativas mostram-se
				inúteis. Trajando seus óculos escuros,
				volta-se para a janela lateral e assim permanece por bom tempo.Um
				dos rapazes do carro ao lado se incomoda com a suposta mirada de
				Martin e responde com gestos obcenos. Descobrindo uma embalagem
				de preservativos no porta-luvas, Martin a examina  exibe-a,
				sob a perspectiva do carro ao lado. Os rapazes mal-encarados e
				suas companheiras saem do veículo, chamam Martin de
				bicha e se põem a destruir o automóvel
				de Andy. Este está retornado e tenta explicar
				tudo: É cego!. Não o escutam,
				espancam-no. Trancado no carro, Martin reage buzinando a todo
				vapor, até que o companheiro, a custo, consegue entrar
				pelo lado do motorista. No colo de Martin, Andy dirige em
				disparada, sendo perseguido por um carro da policia. Na confusão
				de pés e mãos embaralhados, Andy (ou Martin?) acaba
				batendo no carro dos policiais. Andy exclama: Estamos
				encrencados! E Martin, em reação espetacular:
				Meus olhos! Não vejo nada! 
				11ª
				Cena  No hospital, um dos policiais, solene, aproxima-se de
				Andy: Sinto muito, coitado, parece que ficou cego!.
				E, para consolá-lo, estende-lhe a mão em contrita
				solidariedade: Sou Brian. Em outro consultório,
				a médica examina os olhos de Martin: Mas...o senhor
				é cego de nascença! O que fazia dirigindo?
				Responde Martin, com ar inocente: Esqueci! ...
 
				12ª
				Cena  No carro, os dois amigos dão grandes
				gargalhadas  Martin pela primeira vez na vida,
				aparentemente! Recordando as cenas no hospital, chega a chorar de
				tanto rir. Andy percebe algo especial: 
 
				-Seus olhos são
				azuis! Por que os esconde? 
 
				-Não são
				olhos de verdade. De que cor são os seus? 
 
				-Verdes. Os azuis são
				mais bonitos .... 
 
				E, pela primeira vez,
				Martin convida Andy a entrar em sua casa. | 
	
O humor se introduz em
Proof e, através dele, a equivocidade do visual e da
linguagem. Aqueles que vêem, no Cine Drive-in,
não vêem que Martin é cego; não acreditam
quando Andy lhes diz esta verdade. Ao dizer a verdade 
meus olhos, estou cego! , Martin ilude. E ao
presumivelmente mentir  dirigia porque esquecera
ser cego , não estaria, exatamente naquele momento,
dizendo a verdade, já que pudera lançar mão
estrategicamente de sua condição, em lugar de ser
dominado pelas normalizações a ela associadas?
A estética se
introduz em A prova  cores de olhos, beleza de olhos 
e, com ela, a ética da amizade  Andy já pode
entrar em casa ...
	
		
		
			| 13ª
				Cena  Martin serve vinho e Andy lhe pergunta como sabe
				quando parar. Pelo som  contesta Martin 
				e se segue o diálogo: 
				-De quem é a
				foto sobre a lareira? É antiga ... Sua mãe?
 
				-Sim. Pode
				descrevê-la para mim?
 
				-Ela não se
				parece com você.
 
				-Sempre me disseram
				que sim ...
 
				-Estão num
				pequeno parque e ela o abraça. Tem dedos longos e brancos
				como uma estatua, 28 ou 29 anos, cabelos longos. E você ...
				sardas e cabelo curto!
 
				-Eu mesmo o cortava.
				Ela tinha vergonha de sair comigo, desejava uma criança
				normal, que fizesse coisas normais! Algum dia lhe mostrarei a
				primeira foto que tirei, a mais importante: a foto de um jardim
				que minha mãe costumava descrever para mim. Eu o via
				através dos olhos dela e queria pegá-la mentindo,
				mas nunca pude. Tirando a foto seria possível.
 
				-Por que ela
				mentiria?
 
				-Para castigar-me por
				ser cego!
 
				14ª
				Cena  Celia bisbilhota as fotos de Martin. Tenta, através
				de fragmentos, compor Andy visualmente, o que resulta em uma
				estranha figura, tipo Dr. Frankenstein! Alguém bate à
				porta: é o próprio Andy procurando por Martin.
				Celia e Andy dialogam sedutoramente.
 
				15ª
				Cena  Andy chega ao parque e, a certa distância, vê
				que Martin está fotografando. Bill se afasta do dono.
				Celia, sentada silenciosamente em um banco, segura o cão
				pela coleira, impedindo-o de atender ao chamado de Martin, que se
				põe a tirar fotos em torno de si próprio.
				Percebendo que será fotografado, Andy tenta esconder-se
				atrás de uma árvore, mas é fixado,
				tendo Celia (e Bill) ao fundo. 
 
				16ª
				Cena  Celia chega à casa de Martin e este lhe
				apresenta Andy: os dois não revelam o encontro anterior.
				Ela trouxera  contra a vontade de Martin, que a quer longe
				de suas fotos  o último filme revelado. Martin pede
				ao amigo que descreva as imagens, pois está perturbado
				com os sumiços de Bill. Enquanto se dá o
				relato, Celia exibe o corpo, trocando olhares com Andy. Ao mesmo
				tempo, começa um diálogo entre Martin e Andy:
 
				-O que vê?
 
				-Nada!
 
				-Vê Bill?
 
				-Sim ...
 
				-O que faz ele? Vê
				alguém?
 
				-Está ... com
				outro cão.
 
				-Descreva-o!
 
				-Um filhote.
 
				-Tem certeza?
 
				-Claro! [Celia diz:
				Deve ser uma cadela no cio]. Sim, deve ser isso ... | 
	
No reino da
verdade-olhar, Andy mente para Martin. No da
sexualidade-verdade... estará seduzido por
Celia? No da ética da amizade estará ... protegendo
o amigo? Decerto tais mundos são planos que se interceptam,
mas parecem ainda rigidamente hierarquizados para Martin. Suportará
a recente ética da amizade a interferência da
sexualidade-verdade?
	
		
		
			| 17ª
				Cena  Sentado no vaso sanitário, Martin lê
				um livro em braille. Celia entra subitamente e o fotografa
				com uma Polaroid. Eu o tenho na palma da mão.
				Terá de verificar tudo sempre, posso colocar esta
				fotografia nas suas roupas ou outro local público! Nunca
				saberá, pois as pessoas começarão a falar
				com você de um modo estranho . Martin lhe pergunta o
				que quer para devolver o instantâneo e Celia é
				incisiva: Sua companhia por uma noite. 
				18ª
				Cena  Celia e Martin estão no teatro, ela o
				conduz aos lugares reservados. A orquestra executa Bethoven e
				Martin se emociona profundamente: tira os óculos escuros e
				deixa-se levar, a mão apertada ao peito. Celia chora,
				silenciosamente, ao vê-lo assim transportado.
				Ao final do espetáculo, Martin agradece e Celia se diz
				feliz com o gesto. Ele lhe pede a foto, mas ela retruca:A
				noite não acabou.
				 
				19ª
				Cena  Casa de Celia, cheia de fotos de Martin 
				sobre mesas, lareira, paredes. Ela lhe serve vinho e seus frios
				preferidos.
				 
				-Não percebe o
				quanto gosto de você? Queria tanto que viesse aqui! [Abre a
				blusa, oferecendo-se]
				 
				-Posso me servir?
				 
				-Sou tão só
				como você, igual a você, e somos só eu e você
				agora. [Silencioso, Martin começa a comer] Temos muito em
				comum. Não sente que o observam?
				 
				-Toda a minha vida.
				 
				-Não sabe
				quando sou eu? Esta é a hora da verdade. Nunca esteve com
				uma mulher, não é mesmo? Toque-me onde a música
				o tocou. 
				 
				Ele a beija, ela se
				deita sobre ele... Martin se refaz, diz que não
				pode, foge.  Celia grita: Ao menos feche o zíper!
				Na rua, desorientado, Martin chama por táxis inexistentes.
				Celia chega de carro e se oferece para levá-lo a casa.
				Martin acede.
				 
				20ª
				Cena  Martin se deita, ainda vestido, chorando. Recorda
				a mãe a lhe acariciar os cabelos dizendo que vai morrer.
				 
				-Quando?
				 
				-Logo. Primeiro, vou
				ficar doente. Não quero que veja isso, vai ficar com sua
				avó.
				 
				-Não me quer
				mais! Tem vergonha!
				 
				-Acredite, Martin!
				 
				-Não acredito!
				 
				Seguem-se imagens do
				velório da mãe. Martin acaricia o caixão
				fechado e diz: É oco!
				 
				21ª
				Cena  Encontrando a porta destrancada, Andy entra na
				casa de Martin. Faz-se notar abrindo uma persiana que dá
				passagem à luz.
				 
				-Um desperdício
				abrir as janelas, Martin nem percebe. Está na biblioteca
				para cegos, vai demorar ... Pode olhar o quarto dele, eu não
				conto! - diz Celia.
				 
				-Não!
				 
				-Ora, não diga
				que não tem curiosidade de ver o quarto de um cego, os
				livros eróticos, sem imagens, em braille, que tem lá!
				Afinal, o que ele faria para se entreter? Tem mais livros que eu,
				que enxergo! Alguns devem ser eróticos! Ele me odeia;
				aliás, odeia tudo, a não ser o cão e as
				fotos. Mas ele te ama ... e você mentiu! Mentiu por mim!
				 
				-Não queria
				magoá-lo!
				 
				Celia insiste em ter
				sido a razão da mentira e se oferece abertamente a Andy.
				As luzes se apagam e ela murmura, sedutora: Vamos nos
				fingir de cegos. | 
	
Martin dizia que Celia
não tem coração. Pode sentir que ela o
deseja: ela o toca. Não pode ver que ela o tem visualmente
pela casa - fotos por toda a parte -, tampouco que chora com seu
choro. E ela não lhe diz isso: ele não pode ver; logo,
não acreditaria em suas palavras. Quando suas lógicas
de verdade-subjetivação se aproximam,  dá-se o
mal-entendido aprisionante.
Mas Celia tem também
outra base para suas verdades: a sexualidade. E, se Martin não
pode tocá-la, é porque tem segredos
(erotismo em braille?). Ele deve tocar alguém ou
alguma coisa. Sendo assim, quando suas lógicas se distanciam,
dá-se novamente o mal-entendido aprisionante (alguém
deve ser melhor em sexo, em leituras eróticas...).
	
		
		
			| 22ª
				Cena  Martin aparenta tristeza, sentado em um banco do
				parque. Andy se aproxima e Martin inicia a conversa: 
				-O que faz aqui?
				 
				-Passeando ...
				 
				-Bem, já devo
				ter fotografado tudo neste parque.
				 
				-Há uma folha
				a seus pés.
				 
				-Que tamanho?
				 
				-Depois descrevo para
				você.
				 
				-Confio em você
				[Fotografa]. Há mesmo uma folha, não?
				 
				-Bem, sou
				irresponsável e pouco confiável. É o que
				todos dizem, pois estou sempre mudando de emprego. Na família,
				sou a ovelha negra. Se me visse, talvez concordasse
				com eles.
				 
				Martin pega a folha.
				 
				23ª
				Cena  Celia prepara Bill para sair com Martin e, sem
				que este perceba, enfia uma foto na coleira. No veterinário,
				após a vacinação, trava-se o diálogo.
				 
				-Bill tem uma foto na
				coleira! 
				 
				-Eu no banheiro?
				 
				-Não, é
				uma foto de Bill.
				 
				
 
				Martin pega a foto e
				lê, com os dedos, a legenda. 
				 
				
 
				-É Bill com
				outro cão.
				 
				-Não, com uma
				mulher. E com seu amigo, aquele que veio aqui com o gato.
				 
				24ª
				Cena  Celia e Andy estão nus no sofá.
				Martin entra com Bill.
				 
				-Quem está aí?
				 
				-Apenas eu  diz
				Celia, controlada.
 
				Andy faz ruídos
				tentando vestir-se. Procura sair disfarçadamente, mas o
				amigo o segura pelo braço.
				 
				-Sou eu 
				confirma Andy. Devia ter avisado. Estamos
				apaixonados, eu e Celia.
				 
				-Apaixonados?! Fora,
				ambos!
				 
				Celia arrasta Andy,
				que parece hesitante, para a porta.
				 
				25ª
				Cena  Na casa de Celia, Andy vê as fotos de
				Martin por toda a parte. Celia traz  chá, mas o rapaz
				afasta a xícara, levantando-se para quase fugir. Celia
				grita: Ele não o perdoará, não agora! | 
	
Martin descobre a mentira
de Andy  através da descrição do veterinário.
A quantas confitrmações terá ainda de recorrer
durante a vida? Andy se deixa levar pela verdade de Celia
(Estamos apaixonados). Celia exibe sua verdade visual
ao vidente Andy e este se sente enganado pelo corpo, pelo
tato, pelo desejo. Tal como Martin, neste momento está
capturado pelo visual - as fotos de Martin na casa de Celia provam
que é ao amigo, e não a ele, que ela ama. Seu corpo lhe
mentira?
	
		
		
			| 26ª
				Cena  Martin está no cemitério e é
				conduzido pelo encarregado ao túmulo de Nancy Pamela
				Weber. Ajoelha-se e lê, com os dedos, a inscrição
				em alto relevo  nome, ano (1965). Depois, pergunta ao
				homem: Enterram caixões vazios?. Espantado,
				este responde com outra pergunta: Por que o fariam? 
				-Por brincadeira?!
				 
				-Brincadeira um tanto
				cara, não?
				 
				
 
 
				27ª
				Cena  Celia arruma a cozinha. Martin se dirige
				delicadamente a ela.
				 
				-Celia, sinto tê-la
				atormentado. Percebi que gostava de mim e tirei proveito da
				situação. Aqui está seu pagamento. Está
				despedida, já arrumei outra faxineira. [Celia reluta]
				Dê-me a chave de minha casa! [Celia atira a chave na pia
				cheia dágua]
				 
				Martin lê para
				Celia as referências que preparou para ela  muito
				boas, se desconsiderarmos o tom irônico da voz.
				 
				-Falta a referência
				a meus seios excepcionais.
				 
				-... e tem
				seios excepcionais. Quer que eu acrescente?
				 
				-Posso beijá-lo?
				[Ela o beija no rosto]. Bill sentirá falta de mim? Bem,
				quando você o chamar e ele não vier, você se
				lembrará!
				 
				-Adeus, Celia!
				 
				Ela sai, não
				sem antes colocar o cabide de pé, geralmente situado no
				canto, bem em frente à porta ...
				 
				28ª
				Cena  No restaurante, Andy fita a mesa onde geralmente
				se sentava Martin, agora vazia. Dirige-se à casa do amigo
				e o espera na porta. Este finalmente chega.
				 
				-Martin, como vai?
				 
				-Bem. Não quer
				entrar?
				 
				-Não, só
				dei uma passada. Estou bem. Vou montar um negócio de
				entregas, dizem que dá dinheiro.
				 
				-Andy, deveria ter
				tomado mais cuidado. A verdade é importante!
				 
				-Mas todo mundo mente
				o tempo todo sobre alguma coisa! E eu menti uma única vez,
				sobre Celia. Você diz a verdade, ela é sua vida!
				Tenha pena de nós, os outros... 
				 
				-Andy, se tem tempo,
				peço uma última descrição.
				 
				Entram na casa.
				Martin tira do cofre uma antiga foto e a entrega a Andy. O
				espectador do filme não pode ver a  imagem.
				 
				-Um homem de macacão,
				com um ancinho. Ao lado, um carrinho com folhas. Estão
				perto de um chafariz, num jardim pequeno e bem cuidado. Parece um
				homem velho. Velho e gentil. Bem, não sei, talvez seja
				impressão... Bonita foto! 
				 
				-Guarde-a com você.
				 
				-Não precisa
				mais dela?
				 
				Martin recusa-se a
				receber a foto de volta. Andy sai, mas Martin o chama: Andy,
				talvez eu vá ao restaurante hoje. Estará lá?.
				Andy responde afirmativamente e abre um enorme sorriso. | 
	
Martin toca a
inscrição do túmulo da mãe. Permitira-se
igualmente ser tocado pelo humor, pela beleza, pela ironia. A
vida não mais se resume à verdade e à
garantia. Todos estes novos mundos descobertos, se trazem o
equívoco, conduzem igualmente o afeto e a amizade.
Andy descreve a primeira
foto de Martin, tão decisiva para este. Nós,
espectadores videntes, não podemos vê-la; Martin
tampouco. Mas ele não precisa mais dela. Nem nós que,
junto com ele, pudemos fazer, através de A prova, a
passagem de um paradigma iluminista-veridificativo para um
paradigma ético-estético. (Guattari, 1989)
3.
Conclusão
Muito mais do que para a
cegueira, Proof volta-se para a ética e a
estética. 
Mais que de preconceitos,
estereótipos, desvios, estigmas e normas, acaba por fazer
falar a multiplicidade, a vida e a amizade.
Sendo assim, nossa
conclusão só pode ser sua última cena:
	
		
		
			| O menino Martin está
				sentado em frente à janela. Sombras de mãos
				passeiam sobre  seu corpo. Martin se ergue, caminha até o
				vidro e o toca. Chove. | 
	
Referências
Bibliográficas
-  AUSTIN, J. 
			Quando dizer é fazer. Porto Alegre: Artes Médicas,
			1990.
	
-  BIRMAN, J. 
			Apresentação.  Physis, vol. 1, n°
			2, 1991.
		
-  BORGES, J. L. 
			Funes, o memorioso. Em Ficções. São
			Paulo: Globo, 1995.
			
-  DELEUZE, G. -
			Post-scriptum sobre as sociedades de controle. Em
			Conversações. Rio de Janeiro: Editora 43,
			1992.
-  FOUCAULT, M. 
			História da Sexualidade II:o uso dos prazeres. Rio
			de Janeiro: Graal, 1984.
	
-  ______________. 
			As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes,
			1981.
		
-  ______________. 
			Isto não é um cachimbo. Rio de Janeiro: Paz e
			Terra, 1988.
		
-  ______________. 
			Le sujet et le pouvoir. Em Dits et Écrits IV.
			Paris: Gallimard, 1994.
		
-  FOLHA DE SÃO
			PAULO, 14/10/95.
		
-  GOFFMAN, E. 
			Estigma  notas sobre a manipulação da
			identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
		
-  GUATTARI, F.  As
			três ecologias. São Paulo: Papirus, 1989.
		
-  JAY, M. - In the
			empire of the gaze: Foucault and the Denigration of Vision in the
			Twentieth Century French Thought. Em HOY, D. C. (ed.)
			Foucault: a critical reader. London: Basil Backwell, 1986.
		
-  LOBO, L. F. 
			Deficiência : prevenção, diagnóstico
			e estigma. Em RODRIGUES, H. B. C. et al.  Grupos e
			instituições em análise. Rio de Janeiro:
			Rosa dos Tempos, 1992.
		
-  OBLIN-BRIERE,
			M.  La canne blanche. Paris: Privat, 1981.
		
-  ROLNIK, S. 
			Cartografia sentimental. São Paulo: Estação
			Liberdade, 1990.
		
-  VELHO, G.  O
			estudo do comportamento desviante: a contribuição da
			antropologia. Em Desvio e Divergência. Rio de
			Janeiro: Zahar, 1985.
		
-  SACKS, O.  Um
			antropólogo em Marte. São Paulo: Cia. Das
			Letras, 1985.
	
NOTAS